Última edição discute os resultados da consulta realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Pesquisador do Labjor fez parte da equipe responsável pela edição especial
A edição 40 da revista PoliTICs foi lançada em evento presencial que ocorreu no dia 28 de agosto na Universidade Federal do Pará (UFPA). A edição especial, dividida em dois volumes, apresenta uma coletânea de 14 textos que debatem a regulamentação das plataformas no Brasil e foi realizada numa parceria entre o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e o Instituto Nupef, responsável pela publicação da revista.
O objetivo da publicação foi se aprofundar em desdobramentos dos resultados da Consulta sobre Regulamentação de Plataformas Digitais, publicada em 2023. A atual publicação reúne novas produções que se aprofundam nos tópicos de destaque da pesquisa. Uma questão enfatizada nos trabalhos é que a regulação deveria ser assimétrica, como proposto no texto “Dimensões de plataformas digitais e regulação conforme risco contextual” de Henrique Almeida Bazan, Laise Milena Barbosa e Nicolo Zingales, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio). Isso significa que grandes e pequenas plataformas deveriam ser reguladas de forma diferente, a depender do número de usuários e, consequentemente, da extensão do seu impacto na sociedade.
Outros artigos abordam os perigos do abuso de poder ocasionado pela monopolização de dados que leva a uma concentração econômica em poucas plataformas, e a vulnerabilidade de crianças e adolescentes nas redes. Estratégias de designs antiéticas, como criar uma urgência artificial ou telas de rolagem infinita, que prolongam o uso das plataformas foram apontadas como um problema que impacta negativamente a experiência do usuários. O tema é abordado no texto “Design enganoso e manipulativo em plataformas digitais – um mapeamento entre estudos empíricos e reflexões para regulação” de George Augusto Valença Santos, professor associado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Práticas como essa demandam mais ações de alfabetização midiática para evitar que o público seja prejudicado por páginas maliciosas.
As ameaças à democracia, especialmente a disseminação de desinformação, é outra pauta urgente de regulamentação, aponta a publicação. O tema foi discutido no artigo “Atenção, dados e poder: uma análise crítica da infodemia e da desinformação”, de Leandro Modolo (Unicamp), Leonardo Castro (Fundação Oswaldo Cruz) e Luis Gonçalves (USP). Os autores mostram como a infodemia – circulação exagerada de informações online, muitas vezes falsas – não é apenas um efeito colateral, mas um aspecto determinante da economia digital contemporânea. Segundo eles, uma das demandas associadas a esse fenômeno é exigir das empresas mais clareza sobre sua forma de funcionamento, além da responsabilização das plataformas pelos conteúdos que veiculam.
Rafael Evangelista, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e conselheiro do setor técnico-científico do CGI, exemplifica como a transparência também é uma questão crítica diante da plataformização do trabalho, visto que as relações estabelecidas entre plataformas e prestadores de serviço não ficam explícitas para os usuários.
Participação multidisciplinar
A necessidade da participação de diferentes setores no processo de regulamentação também foi um ponto relevante citado na pesquisa, como no caso do CGI, que é composto por membros do governo, terceiro setor, por empresas e representantes técnico-científicos. Esse sistema multissetorial foi destacado na consulta do CGI como um modelo ideal para pensar a governança da internet no Brasil.

Filipe Saraiva, professor da UFPA e organizador local do evento de lançamento, e Rafael Evangelista, pesquisador do Labjor. Foto: Thiago Solyno.
Evangelista pontua que a abordagem multidisciplinar foi algo que apareceu na publicação da PoliTICs: os debates propostos não se restringiram aos fenômenos das redes sociais, mas abrangeram questões de trabalho, regulação econômica, entre outros. A interdisciplinaridade também se fez presente nos diferentes campos do conhecimento que atuaram na produção dessa edição, com trabalhos nas áreas de comunicação, ciência política, direito e computação.
Essa interação entre temas possibilita trabalhar o tema de forma multifacetada, trazendo uma diversidade de olhares e que contribui para uma compreensão mais completa do problema. Fazer o lançamento presencial da edição na UFPA é uma forma de impulsionar essa colaboração diversa, já que descentraliza o debate do eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Brasília, regiões que costumam se sobressair, e agrega mais profissionais interessados.
Segundo Evangelista, o envolvimento da comunidade acadêmica é parte importante do processo e mostra a importância da mobilização que tem sido gerada pelo tema. O pesquisador elogia a alta qualidade dos trabalhos apresentados e destaca a oportunidade de realização de um debate presencial entre os atores, que puderam conversar e promover trocas mútuas dos resultados das pesquisas.
Por Mayra Trinca