Artista residente, Daniela Arbex faz palestra exclusiva para alunos do Labjor

21 de agosto de 2025

Jornalista e escritora falou sobre a importância da escuta, do preparo e do vínculo com as fontes na cobertura de temas sensíveis, como tragédias e traumas

No dia 18 de agosto, a comunidade do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) pôde participar de uma conversa exclusiva com a jornalista Daniela Arbex. O encontro fez parte da programação da residência artística promovida pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp. Estiveram presentes discentes dos cursos de pós-graduação, ex-alunos, pesquisadoras e funcionárias do laboratório.

Durante a fala, Arbex enfatizou o papel do jornalismo como ferramenta importante no estabelecimento de memórias coletivas. A autora defende que o texto literário é uma estratégia importante para aumentar e dar continuidade na relevância de um tema ao longo dos anos. Com os livros, quer evitar que o fato se perca na efemeridade das notícias e com isso, manter a história viva para gerações futuras.

“O jornalismo sofre de esquecimento e esquecer é apagar a história”, diz Arbex.

A autora de livros como “Holocausto Brasileiro” e “Todo dia a mesma noite” celebra neste mês 30 anos de carreira e reforça que a trajetória de trabalho em redações e na cobertura de pautas relacionadas a violações dos direitos humanos foi essencial para prepará-la para a escrita dos livros. Para Arbex, a escuta qualificada tem que vir acompanhada de um “desabitar-se dos preconceitos, para que a história do outro possa te habitar”.

Daniela Arbex durante palestra para o Labjor

É um processo que demanda o estabelecimento de um vínculo de confiança entre a jornalista e suas fontes. Isso requer tempo, já que a jornalista retorna para várias entrevistas com as mesmas pessoas. Essa estratégia busca estabelecer a conexão necessária para entender as fontes como pessoas complexas e evitar reverberar as violências sofridas ao reduzi-las apenas a vítimas. Segundo a autora, preservar a humanidade do sujeito em meio à dor também é papel do jornalista.

 

Livros-reportagem 

As obras da jornalista viraram documentos de consulta em processos judiciais, no caso do incêndio da boate Kiss, e também como material de formação em cursos. Arbex cita que “Arrastados” – livro que conta as primeiras horas após o rompimento da barragem de Brumadinho – se tornou leitura obrigatória no curso de formação de bombeiros em Minas Gerais.

Ainda assim, o “Holocausto Brasileiro” – livro que conta a história de décadas de negligência no hospital psiquiátrico de Barbacena – segue sendo o mais vendido. Para a autora, a obra é relevante porque permite compreender a cultura de uma época. Além de contribuir “para que essas pessoas não morressem anônimas como viveram”, diz Arbex, que se emociona ao lembrar de casos que compuseram o livro e o posterior documentário homônimo.

A busca por documentação detalhada que possa validar os relatos é parte essencial do processo de apuração, destaca Arbex. Para ela, o papel do jornalista é se aproximar ao máximo da verdade, mas sem desconsiderar as diferentes formas como os acontecimentos atravessaram as vítimas com quem conversou. “Nunca deixei meu leitor na dúvida”, afirma.

Impacto emocional 

“Todo dia a mesma noite” foi a obra de maior impacto emocional para a autora, que relata ter sofrido queda de cabelo por estresse durante a fase das entrevistas. Arbex diz ter encontrado com vítimas e familiares muito resistentes a falar com a imprensa, por medo da exposição, mas também por se sentirem desamparados em experiências anteriores com a mídia, que perde o contato depois das entrevistas e não oferece nenhum tipo de acompanhamento. A autora reforça a necessidade de vínculos de confiança e cita a emoção do reconhecimento das vítimas e familiares diante das suas histórias durante as leituras de capítulos.

Arbex tem o costume de ler os capítulos correspondentes para as pessoas que foram fontes para aquela parte da história. Segundo a autora, essa é uma forma de corrigir pequenos erros, como nomes ou datas incorretas, mas também uma forma de honrar a participação das pessoas na construção do livro. Ela diz ter percebido, ao longo dessas experiências, a forma pela qual a escuta, quando se torna escrita, também ajuda a cicatrizar feridas.

Por Mayra Trinca