A produção foi realizada por pesquisadoras e artistas ao longo da disciplina Tópicos de Divulgação Científica e Cultural e teve três versões: o livro virtual, uma instalação física e um perfil no Instagram
O livro “Arte de dosar: antídotos contra a feitiçaria capitalista” foi resultado de uma série de exercícios de escrita e criação da disciplina oferecida pela professora Susana Dias no primeiro semestre deste ano. As aulas foram ministradas de forma remota com participação da professora Sandra Muriello, da Universidade Nacional de Río Negro, em Bariloche. Além da professora, a disciplina contou com estudantes da Argentina, México e Colômbia, além de outras cidades do Brasil.
A proposta da disciplina , intitulada “Internacionalização: Artes, Comunicações e Tempos de Catástrofes”, foi baseada no livro “No Tempo das Catástrofes” da filósofa Isabelle Stengers. Segundo Dias, a autora – que também é química – propõe um exercício coletivo de contato com a terra, através da invenção de novas relações que não usem o ser humano como medida única ou central. Para isso, seria necessário recuperar a capacidade de medir, dosar e criar relações afirmativas com a terra, outras pessoas e espécies.
O livro de Stengers é uma resposta ao que a autora chama de intrusão de gaia, resultado de um movimento predatório e destrutivo movido pelo capitalismo. Para autora, é impossível ser aliada deste movimento e impossível dissociar a política da Terra ativa, capaz de produzir respostas.
O nome “Arte de dosar” é inspirado na obra de Stengers, mas a produção do livro teve influência de outras obras, como o “O manifesto das espécies companheiras” de Donna Haraway e “Futuro Ancestral” de Ailton Krenak. Para Heloisa Santaliestra, jornalista que participou da disciplina e da produção do livro, “esses textos, aliados a outros, como das professoras, abriram caminho para refletir sobre alianças afetivas, cosmopolíticas e formas de resistências e reinvenção de mundos a partir de outras perspectivas”.

Instalação do livro-objetivo no Labjor.
Já Fernanda Oliveira, formada em Artes Visuais e responsável pela adaptação da obra ao Instagram, a experiência fortaleceu a crença de que as artes podem contribuir ativamente com as ciências. Ela destaca que os diferentes formatos do livro são exemplos das possibilidades que a divulgação científica pode tomar. A presença do perfil no Instagram favorece que pessoas de fora do campo acadêmico possam ter contato com o conteúdo. Ao mesmo tempo, a instalação no prédio do Labjor dá mais corpo ao trabalho do que o permitido pelas mídias tradicionais.
Processo de produção
O livro foi resultado de uma série de três exercícios criativos propostos ao longo da disciplina. O primeiro foi a seleção ou criação de três imagens que ilustrassem a arte da dosagem. O segundo foi um exercício de escrita, que consistiu em textos que atuassem como “pequenas poções mágicas, contrafeitiços contra o capitalismo, capazes de ativar os ingredientes selecionados”, explica Dias. E por fim, um exercício de escolha de uma planta companheira, como proposto por Haraway, que servisse como inspiração para criação de grafismos que ilustraram o livro.

Exemplos de grafismos que ilustram o livro.
Dias destaca que a produção de livros já é uma tradição da disciplina, que produziu “Ervas e ritos da comunidade Jongo Dito Ribeiro” em 2024 e “Coisas Terranas” em 2021. Nessa edição de 2025, um subgrupo de alunas se dispôs a reunir os exercícios em uma obra que seria apresentada no final da disciplina. Esse grupo acabou sendo formado todo por mulheres,que para Dias, reforçou a necessidade de uma materialidade a partir das artes manuais e artesanais.
A professora explica que ao longo dos encontros para organização do livro, as plantas e as cobras foram surgindo como espécies companheiras, mostrando que “a arte de dosar não é exclusivamente humana, é uma arte para se aprender com outros seres não-humanos”, diz Dias. Essas espécies aparecem na composição dos vidros na instalação, no caso das plantas, e nos grafismos e organização do livro virtual, no caso das cobras.
Oliveira conta que desde o início a experiência foi muito processual e coletiva. Para a artista, a prática foi importante para mostrar as múltiplas possibilidades do processo artístico. Já Santaliestra, a experimentação de outras formas de linguagem, de relação com o mundo e de produção de conhecimento foram muito significativas. “Trabalhar com imagens, plantas, palavras, desenhos e símbolos, e construir narrativas a partir de ingredientes e gestos de escrita, foi profundamente afetivo e frutífero”, reflete a jornalista.
Por Mayra Trinca