[1]
1. Apresentação
Neste texto discutimos as diretrizes de criação do Livro de registro das línguas, um instrumento através do qual o Estado reconhece as línguas das comunidades brasileiras como patrimônio cultural imaterial da Nação, dentro do Programa de Registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura do Brasil (MinC). Sustentado em um diagnóstico que mostra a necessidade de se aprofundar a definição de um espaço de atuação política do Estado Brasileiro, em conjunto com as sociedades civis, este instrumento propõe fomentar um fórum de debate e de proposição de ações no campo das políticas lingüísticas em, ao menos, três linhas de atuação:
1. A promoção do direito às línguas;
2. A instalação de políticas de registro e circulação das línguas e
3. A elaboração de equipamentos - instrumentos e dispositivos – articulados às políticas lingüísticas.
O pedido de criação desse Livro de registro das línguas foi encaminhado ao Iphan em 2004, pelo então presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Sr. Carlos Abicalil, com assessoria do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (Ipol). Após os trâmites interinstitucionais, realizou-se, em março de 2006, um seminário [2] para a discussão sobre a possibilidade de uma ação patrimonial para as línguas brasileiras, além de critérios e procedimentos para os registros. Este seminário conduziu à formação de um grupo interinstitucional [3] para dar continuidade aos trabalhos. Nosso objetivo é explicitar as linhas gerais de implementação dessa proposta, indicando seus desdobramentos e questionamentos atuais.
2. As línguas pelo Brasil
A política para a diversidade das línguas é tema recente no Brasil. Sob o ideário de um povo, uma nação, uma língua, o Estado brasileiro desenvolveu uma política lingüística direcionada ao monolingüismo, centrada na língua portuguesa como língua oficial e nacional. Ligada à própria conformação da nacionalidade brasileira, essa posição monolingüística se erigiu no período colonial com o Diretório dos Índios (1757), que obrigava o uso da língua portuguesa no Estado do Grão Pará e Maranhão em detrimento da língua geral, de base tupi (língua indígena), em franca utilização naquele momento. Seguindo essa direção, tivemos na história do país várias medidas de controle da diversidade lingüística, como as das campanhas de nacionalização da década de 1930 [4], além das que garantem a manutenção de políticas educacionais voltadas maciçamente ao ensino e uso da língua portuguesa como língua única.
O resultado dessa posição foi o extermínio de inúmeras línguas. Rodrigues (1986) calcula que se falavam no que é hoje o território brasileiro, em 1500, cerca de 1.200 línguas, das quais restaram cerca 180. Em 2005, diz esse autor: “a redução de 1200 para 180 línguas indígenas nos últimos 500 anos foi o efeito de um processo colonizador extremamente violento e continuado, o qual ainda perdura, não tendo sido interrompido nem com a independência política do país no início do século XIX, nem com a instauração do regime republicano no final desse mesmo século, nem ainda com a promulgação da "Constituição Cidadã" de 1988. Embora esta tenha sido a primeira carta magna a reconhecer direitos fundamentais dos povos indígenas, inclusive direitos lingüísticos, as relações entre a sociedade majoritária e as minorias indígenas pouco mudou. Graças à Constituição em vigor está havendo diversos desenvolvimentos importantes para muitas dessas minorias em vários planos, inclusive no acesso a projetos de educação mais específicos e com consideração de suas línguas nativas. Entretanto, ainda são grandes a hostilidade e a violência, alimentadas não só por ambições de natureza econômica, mas também pela desinformação sobre a diversidade cultural do país, sobre a importância dessa diversidade para a nação e para a humanidade e sobre os direitos fundamentais das minorias” (idem, 01).
Analisando a situação, observamos que 85% das línguas desapareceram sem deixar vestígios, já que se tratava de línguas ágrafas, isto é, sem escrita, como aliás a maioria das línguas do mundo. Conforme mostramos em outro trabalho, temos hoje um país em que “são faladas cerca de 210 línguas por cerca de um milhão e meio de cidadãos brasileiros que não têm o português como língua materna, e que nem por isso são menos brasileiros. Cerca de 190 línguas são autóctones, isto é, línguas indígenas de vários troncos lingüísticos, como o Apurinã, o Xokléng, o Iatê, e cerca de 20 são línguas alóctones, isto é, de imigração, que compartilham nosso devir nacional ao lado das línguas indígenas e da língua oficial há 200 anos, como é o caso do alemão, do italiano, do japonês" (Oliveira, 2003).
É certo que a existência dessas línguas coloca o Brasil entre os oito países que concentram mais da metade das línguas do globo, ao lado de Papua Nova-Guiné, Indonésia, Nigéria, Índia, México, Camarões, Austrália. No entanto, criar condições para que essa pluralidade de línguas continue existindo requer políticas de reconhecimento das línguas e de valoração de sua presença.
A Constituição de 1988, como se disse antes, foi um passo importante nessa direção, no que tange às línguas indígenas, atribuindo ao índio o estatuto de cidadão brasileiro que tem direito a sua língua e a sua cultura. No entanto, ela silencia sobre as línguas alóctones. Além disso, a ecologia das relações sociais, entre elas as lingüísticas, abriga, hoje, demandas e questões advindas da presença das tecnologias de linguagem que requerem um novo posicionamento do Estado e da sociedade civil, e, portanto, novas formas de ação política. É no diálogo com essa configuração social que situamos o debate sobre as políticas de registro envolvidas no Livro de registro das línguas como patrimônio imaterial dentro do Programa de Registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura do Brasil (MinC).
3. Política patrimonial e de registro para as línguas brasileiras [5]
Ao estabelecer uma política de registro nesses termos, estamos trazendo para o debate o fato de que o reconhecimento jurídico, embora seja fundamental, não é em si suficiente para promover um espaço multilingüe. Essa promoção requer políticas de implementação de usos das línguas, de abertura de espaços para que elas se legitimem, para que os falantes se posicionem, se projetem identitariamente. Desse modo, o registro como política no sentido aqui posto estabelece para as línguas dois patamares de significação: o de registro como reconhecimento jurídico e como instrumento de documentação, acervo e circulação. Em conseqüência, as iniciativas que demandam abrangem três linhas de atuação:
1. A promoção do direito às línguas;
2. A instalação de políticas de registro e circulação das línguas e
3. A elaboração de equipamentos - instrumentos e dispositivos – articulados às políticas lingüísticas.
3.1. A promoção do direito às línguas
A política de registro das línguas reforça a afirmação de que os cidadãos falantes das línguas brasileiras têm o direito a mantê-las, em conformidade com o que reza a Declaração universal dos direitos lingüísticos, elaborada sob os auspícios da Unesco (Barcelona, 1996), direito este reconhecido aos índios pela Constituição de 1988. Mas contemplá-la pela abertura de um livro de registro que resguarde as línguas como patrimônio imaterial da nação, estende esse direito a todos os brasileiros falantes de todas as línguas. E o amplia, na medida em que tratando de registro de línguas brasileiras, abrange todas as línguas, e não somente as indígenas.
Até então, o direito à língua, reconhecido aos índios, está centrado no direito ao ensino, sustentado por uma pedagogia de alfabetização e produção de material didático de cunho escolar. É certo que essa produção instrumentaliza o ensino de línguas e a formação de profissionais especializados para atuar nas suas comunidades. Mas seu funcionamento tende a se esgotar no próprio circuito do sistema de ensino, isto é, retorna para o meio que o originou, com baixa ressonância em outras relações de produção. Seu valor de instrumento lingüístico, no sentido em que um instrumento modifica a ecologia da comunicação humana, como propõe Auroux (1990), quase sempre não se potencializa.
O registro, por sua vez, produz um novo circuito de significação social dessa produção, interagindo com as tecnologias de linguagem. Nessa interação, os sentidos e as formas de registro devem ser negociados, construídos. Nesse processo, a língua deixa de ser mero objeto/conteúdo de ensino para se tornar instrumento de leitura e compreensão do mundo, de posicionamento dos sujeitos, de produção de argumentos e de tecnologias.
3.2. A instalação de políticas de registro e circulação das línguas
Portanto, e primeiramente, uma política de registro implica discutir os sentidos de registro: registrar o quê? Como? Para quê? Ela inclui, assim, a elaboração de formas possíveis para realizar os registros - considerando formatos impressos e em multimídia - visando os produtos desejados (ainda que provisórios) e a produção de condições para sua significação. O manuseio e a construção de equipamentos necessários ao registro fazem parte do trabalho. Por isso, o registro significa, em princípio, produção e vinculação do saber lingüístico.
Pela natureza do vínculo, que é social, o estatuto dos saberes produzidos e registrados deve ser compreendido em relação às diversas instâncias legitimadoras. Essa é a razão também pela qual o direito às línguas, como preceito universal, se localiza na história: os falantes se tornam os beneficiários e os responsáveis por construir as condições para que suas línguas circulem e se legitimem através da proposição de instrumentos e dispositivos não mais submetidos apenas ao domínio de saberes especializados, como tem sido o caso, majoritariamente, até o momento.
A perspectiva do registro também fortalece o lastro das relações sociais e as formas de representação das comunidades lingüísticas. A esse respeito, e a título de exemplo, foram encaminhados alguns pedidos para registro do talian (língua de imigrantes italianos) ao Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, o que caracteriza ações pontuais na direção de proposta mais ampla do livro das línguas. No entanto, seu acolhimento e desenvolvimento dentro de uma política de registro reorganiza o estatuto de representação dessa língua, na medida em que esta, como qualquer outra, deve ser capaz de especificar-se como uma língua valorando – e modificando, se for o caso - suas demandas face às de outras comunidades lingüísticas. Verificamos, desse modo, que a política de registro tem um potencial organizador das comunidades lingüísticas, porque estas deverão se nomear e negociarem entre si e com as instâncias administrativas e políticas produtoras de equipamentos (instrumentos e dispositivos) as condições desejadas para sua existência e para sua circulação.
A dinâmica da construção de uma representação negociada desencadeia um processo em que o debate é ação política. O debate significa um espaço em que o sujeito falante é instado a encontrar e formular sua fala, e as vias de ação sobre sua realidade no ecolingüístico da pluralidade cultural e lingüística do Brasil.
3.3. A elaboração de equipamentos - instrumentos e dispositivos – articulados às políticas lingüísticas.
As ações necessárias para o registro das línguas se fundamentam, como se viu, em debates sobre o estatuto dessas línguas, sobre as possibilidades de produzir seus registros, de potencializar seus modos de circulação, e de promover suas múltiplas articulações com outros saberes, inclusive o das tecnologias e os que tomam parte nas redes de conhecimento digital. Fazemos aqui, neste momento, uma projeção que a política patrimonial das línguas pode ter a partir do inventário e do registro das línguas ora em discussão.
Essas ações seguem primeiramente duas direções articuladas: 1: as de garantir a base material para o registro e 2: as de tornar essa base material objeto de conhecimento produzido e articulado nas línguas, e não apenas um suporte, ou um depositário de línguas.
No que diz respeito às sociedades do conhecimento, a preocupação declarada, por exemplo, por Pimenta (2005) sobre a necessidade de fomentar a diversidade, porque “ela assegura ao planeta as melhores possibilidades de se adaptar e sobreviver” e o uso “das novas tecnologias de maneira ativa, com produção de conteúdo próprio e não apenas de absorção do que é feito pelos outros” vem ao encontro dessas ações.
No entanto, é preciso ir além da ocupação do espaço com conteúdos ativos e socialmente significativos, e articular o que pensamos ser da natureza dos equipamentos tecnológicos como um espaço de articulação que abriga os instrumentos - que são a base material do registro -, e os dispositivos - que são ações no sentido de garantir a formulação do objeto, como é o caso de políticas tanto de tradução nas línguas, quanto de legalização das línguas, e ainda dos mecanismos que garantam a participação dos falantes nas instâncias representativas e deliberadoras das políticas públicas, não só as tecnológicas. De fato, um instrumento tecnológico – uma rede de computadores, por exemplo - nem sempre instala um dispositivo – medidas de apropriação da tecnologia como conhecimento, superando a questão da mera utilização da tecnologia.
Nossa idéia é que a perspectiva do registro que se sustenta em equipamentos tecnológicos permite estabelecer um novo olhar sobre as iniciativas, ainda que tímidas, de sustentação de políticas visando o plurilinguismo no Brasil, como a Lei Municipal de Co-oficialização de três línguas indígenas (tukano, nheengatu e baniwa), no município de São Gabriel da Cachoeira, Alto Rio Negro, Amazonas, assinada em 2002 e o Programa Binacional de Escolas Bilíngües de Fronteira, implementado pelos ministérios da Educação do Brasil e da Argentina, nesse ano de 2005. Nesses dois processos, uma política de registro de conhecimento começa a ser implementada com apoio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), através do e-proinfo (uma plataforma para ensino à distância) para o caso das Escolas Bilíngües, e da Unicef, para a região de S. Gabriel da Cachoeira[6].
Se pensarmos a questão do multilingüismo na rede da sociedade do conhecimento digital a partir da perspectiva dessa política de registro, veremos que é fundamental a participação dos falantes das línguas na formulação dos saberes lingüísticos que entram ou não na rede. No entanto, é preciso considerar que essa entrada dos sujeitos na rede se faz por um posicionamento que os submete a uma contradição.
De um lado, essas sociedades se sustentam potencialmente na universalidade de um saber que está codificado e destinado a todos (e a ninguém especificamente) ao que corresponde um sujeito que pode e deve se conhecer e se comunicar através de redes de significação instaladas, ou passíveis de serem digitalizadas. As séries infinitas de páginas na web e a abertura incontida de links para o sujeito compor seu dizer (no sistema copiar/colar, por exemplo), assim como a naturalização de equipamentos que mapeiam seja o corpo do sujeito seja o espaço sensível do mundo (como é o caso dos microships para intervenção no corpo ou para satélites de rastreamento) explicitam essa universalidade[7].
De outro, essas sociedades se sustentam necessariamente em vínculos sociais. Vínculos de sujeitos no mundo e com ele. Assim, ao lado do saber para todos e de todos, por onde se identifica o sujeito universal, uma infinidade de fóruns, blogs, sites particulares etc., assim como ataques virulentos sobre a zona criptografada e escondida da rede, sintomatizam esses vínculos.
Essa contradição não se resolve na rede, senão nas políticas que a dividem, colocando em cena interesses diversos, que se confrontam. Essa contradição explicita uma propriedade política da rede, que interfere em sua configuração a partir da significação social dos saberes.
Uma política de registro das línguas concebida como produção e vinculação de saberes pode justamente promover a propriedade política da tecnologia digital. Na medida em que envolve uma relação com as tecnologias digitais, lida com a contradição a que nos referimos. Mas se não pode superá-la, deverá ser capaz de explicitá-la como instrumento de negociação dos sujeitos. E isso se dá porque a política de registro garante aos sujeitos falantes a formulação dos instrumentos e dispositivos necessários à equipagem de suas línguas, de suas demandas, evitando sua alienação na mediação dos técnicos ou especialistas ou em sua reificação no plano cultural.
4. Um novo campo de questões
Estabelecemos, assim, uma abertura de diálogo entre as instâncias formuladoras das políticas lingüísticas e tecnológicas dos Estados e das sociedades civis, para de novo perguntar: De que modos é possível articular a equipagem das línguas às políticas de conhecimento das sociedades digitais? Como ou qual registro conduz às políticas de conhecimento? E que políticas são essas? Se os sentidos de conhecimento, registro e políticas se opacificam, não é porque carecem de uma boa definição, à priori. Mas porque os remetemos à agentividade das comunidades lingüísticas, responsáveis por reverter seus sentidos e demandas em forma de produtos concretos, onde registrar não significa uma retirada da língua de suas mãos, antes pelo contrário.
Os membros da comissão GTLB têm, indiretamente, assumido essas questões para debate, procurando considerá-las no processo de discussão atual visando a definição de critérios para nortear a concepção e execução de um inventário das línguas. Esse inventário comparece, assim, como um importante instrumento de implementação da política patrimonial e de registro[8] aqui proposta, prevendo que se reserve às comunidades lingüísticas o direito de requererem ou não o registro. Por esse motivo, os procedimentos que o estruturam não devem seguir o tradicional trajeto dos mapeamentos geodemográficos, O espaço de polêmica se mantém, portanto, exigindo a cada vez novas negociações, o que é, em si, um ganho no processo político de afirmação dos sujeitos e suas línguas – na sua própria construção e na construção de uma nova nacionalidade brasileira, democrática e plural.
Bibliografia
MORELLO, R. “Política científica e linguagens da tecnologia”, em Morello, R. (org.), Giros na cidade, Editora Labeurb/Unicamp, Campinas, 2004
OLIVEIRA, Gilvan Müller de (org.) Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, Campinas, SP: IPOL/Mercado das Letras, 2003.
PIMENTA, Daniel. Entrevista publicada em http://funredes.org/, 2005.
RODRIGUES, Aryon D’aligna., Línguas brasileiras : para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, SP, Edições Loyola, 1986.
SILVA, Fábio Lopes da e MOURA, Heronides Maurílio de Melo (org.). O direito à Fala: a questão do patrimônio lingüístico. Florianópolis, Insular, 2002
Notas
[1] Este texto retoma apresentações feitas em alguns eventos, entre eles, o III Seminário Interamericano sobre a gestão das línguas "As políticas lingüísticas no âmbito das Américas em um mundo multipolar", Rio de Janeiro, Brasil, de 29-31 de maio de 2006. Uma primeira versão deste texto foi apresentada para publicação nas Atas desse seminário, que se encontra no prelo.
[2] O seminário sobre a criação do livro de registro das línguas foi realizado em março de 2006 em Brasília, com o objetivo de discutir a definição das formas de registro e dos modos de participação das instituições. Dele participaram falantes de seis línguas brasileiras (guarani, nheengatu, hunsrückisch, talian, gira da Tabatinga e libras), que se dirigiram ao plenário nas suas próprias línguas, e que discorreram sobre “ser brasileiro em outra língua que não o português”. Participaram do seminário também representantes de instituições e especialistas.
[3] Esse grupo é denominado Grupo Interinstitucional para o Reconhecimento da Pluralidade Lingüística Brasileira (GTLB) e é formado por instituições governamentais e não-governamentais relacionadas à matéria, com o objetivo de traçar políticas públicas que atendam às demandas das comunidades bilíngües brasileiras e que preservem e protejam o multilingüismo no país.
[4] Segundo Oliveira (2003), nenhum país da América Latina manteve tanta coerência entre o Diretório dos Índios do Marquês de Pombal - de 1753 - de um lado, e as 143 páginas de legislação anti-línguas produzido entre 1911 e 1945, recentemente compiladas pelo Ipol e que atingiu seu ponto alto na chamada “Campanha de Nacionalização do Ensino” do Estado Novo varguista.
[5] O conceito de “língua brasileira” tem sido um conceito polêmico nas discussões do GTLB. A favor do conceito estão: a sua abrangência, capaz de recolher o fenômeno das línguas do Brasil na sua integralidade (superando as diferenças políticas entre línguas indígenas de um lado, e línguas de imigração (alóctones) ou afro-brasileiras por outro lado), e a sua signficância, trazendo a equivalência entre a política patrimonial brasileira, a cidadania brasileira e as línguas brasileiras, indicando assim que o Brasil é um país plural, como reza a Constituição Federal, e reconhecendo a realidade do pluralismo também para a vida lingüística do país. Que suas línguas sejam consideradas brasileiras, reconhecidas como legítimas no/do Brasil é demanda reconhecida das comunidades lingüísticas brasileiras que já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre isso (por exemplo os falantes do talian).
Contra o conceito argumentou-se que alguma comunidade indígena pode não estar conforme que sua língua seja declarada brasileira (perceba-se no entanto que não se usa o termo em equivalência a “nacional”) e ainda que é inadequado dizer que uma língua é brasileira, se ela é falada também em outro país, como é o caso do guarani (embora nunca se saiba que Portugal tenha protestado porque o Brasil incluiu na sua constituição que o português é a língua oficial do Brasil, por exemplo). Não se conseguiu propor, entretanto, nenhum outro conceito com a operacionalidade do conceito “língua brasileira” para ancorar a política patrimonial ora em desenvolvimento. Como se trata de uma questão política importante, as comunidades lingüísticas brasileiras certamente dirão a última palavra sobre o assunto.
[6] Para mais informações sobre esse conjunto de iniciativas, consulte www.ipol.org.br.
[7] Em uma análise das Diretrizes do Programa Sociedade da Informação, do Governo Federal do Brasil, de 1999, mostramos que as políticas de tecnologia operam sobre e reproduzem uma divisão entre Educação e Educação para a Sociedade da Informação, acarretando diferentes modos de uso, tipos de conhecimento e formas de acesso do sujeito ao conhecimento. Cf. Morello (2004).
[8] O GTLB realizou diversas reuniões em Brasília durante o ano de 2006, e decidiu distinguir entre o inventário das línguas brasileiras, a ser feito para todas as línguas em tempo relativamente curto e o registro das línguas brasileiras, a ser feito depois do inventário, por demanda das comunidades lingüísticas. As discussões apontam para o fato de que o Inventário – isto é, o reconhecimento da existência da língua e sua nomeação – serão suficientes para garantir aos falantes daquela língua direitos lingüísticos cidadãos; o registro acrescentaria aos direitos auferidos pelo Inventário ainda uma explicitação da contribuição específica daquela língua e daquela comunidade lingüística na construção da cidadania plural brasileira.
Rosângela Morello é pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) da Unicamp. Gilvan Müller de Oliveira é pesquisador do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (Ipol) e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)