“Quem
tem saudade, não está sozinho. Tem o carinho, da
recordação...” já diziam os
grandes mestres
do
frevo, Nelson Ferreira e Aldemar Paiva, na canção
“Frevo
da Saudade”.
Mas é
pouco provável que a saudade seja algo que possamos sentir
em
relação ao frevo. Inúmeras iniciativas
têm
procurado entendê-lo não só como
expressão
carnavalesca - e que
completará 100 anos no dia nove de fevereiro de 2007
- mas como expressão da cultura popular brasileira. Entre
elas
está a solicitação feita pelas
prefeituras de
Olinda e Recife, encaminhada ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para que
o
frevo seja reconhecido como patrimônio cultural brasileiro.
A
justificativa apresentada ao Iphan para o registro
“é
legitimar a história de luta e resistência do povo
pernambucano, a necessidade de preservar e ampliar os canais de
participação, expressão, necessidades
e
visões
do mundo, profundamente internalizadas e traduzidas numa
manifestação
tão singular musicalmente e coreograficamente”,
explica
Ana
Claudia Lima e Alves, gerente de registro Departamento de
Patrimônio
Imaterial.
Curiosamente,
essa é uma parte da história do frevo menos
conhecida
da maioria dos brasileiros. A compreensão do frevo como
“fenômeno de resistência”,
segundo a
antropóloga
Rita de Cássia Barbosa de Araújo, do Instituto de
Documentação da Fundação
Joaquim Nabuco,
é uma interpretação da historiografia
contemporânea. “A origem do frevo está
ligada
às
classes trabalhadoras urbanas e inclui, sobretudo, negros e
mestiços
que criam os Clubes Carnavalescos Pedestres e passam a ocupar o
espaço urbano, antes dominado apenas pelos Clubes de
Alegoria
e Crítica, do qual participavam a elite intelectual e
econômica de Pernambuco”, explica ela.
O
carnaval das elites pernambucanas era centrado nas máscaras,
alegorias e na crítica social dos costumes. A
intenção
era mostrar um carnaval dito bonito, inteligente e culto, no qual
não
havia espaço para as camadas mais pobres. “Esse
era um
processo civilizatório”, analisa
Araújo. E
complementa: “O frevo é um outro modelo de festa,
que
durante certo tempo não era sequer reconhecido como
carnaval”.
Quando os Pedestres invadem as ruas, desfilando com as fanfarras, o
xaxado, o lundum e o ritmo frenético do frevo, arrastavam
uma
multidão de populares. Entre eles, muitos capoeiristas que,
como não tinham compromisso com as manobras executadas pelos
blocos carnavalescos, interagiam com as músicas e criavam o
passo,
como é conhecida hoje a dança do frevo.
“O
frevo surge como expressão máxima do carnaval
popular
porque refletia as mudanças da realidade social e a
alteração
das relações de força entre os grupos
de
trabalhadores urbanos”, segundo a
documentação
apresentada pela prefeitura do Recife ao Iphan. Até nos
nomes
os clubes faziam alusão à classe trabalhadora e
ao
mundo do trabalho. Vassourinhas, Pás, Espanadores,
Abanadores,
Suineiros, Verdureiros, Empalhadores do Feitosa, são alguns
exemplos. Os passos do frevo também fazem essa
referência:
tesoura, ferrolho, parafuso, dobradiça e locomotiva.
No
Iphan, o processo de registro do frevo ainda está em sua
fase
inicial, de verificação da
documentação e
abertura. Em seguida, o processo será encaminhado para
análise
pela Gerência de Registro e da Câmara do
Patrimônio
Imaterial do Conselho Consultivo. A previsão é
que em
18 meses, se não houver prorrogação,
seja feita
a instrução técnica do processo.
Entretanto,
“tudo dependerá dos recursos humanos e materiais
investidos
na instrução técnica do processo, que
certamente
serão providos pelos proponentes e por mecanismos do Fundo
Nacional de Cultura (FNC), uma vez que o Iphan não
dispõe
de previsão orçamentária para
tanto”,
ressalta
Ana Alves. A expectativa é que a
comemoração de
100 anos “freva” - o nome frevo deriva do verbo
ferver,
pronunciado como frever -, com reconhecimento do frevo como
patrimônio cultural brasileiro.